As questões alimentares são, por vezes, razão de sofrimento para as crianças e suas famílias e motivo de grande preocupação. Muitas vezes a restrição ou recusa alimentar tem por base a disfunção da integração sensorial e muitas crianças não são compreendidas nesse sentido, passando por situações de grande stress, chegando mesmo a desenvolver comportamentos muito desadequados.
Não podemos esquecer que muitos outros fatores podem também influenciar a prática alimentar. Temos de estar muito atentos às relações parentais, preferências pessoais, condições de saúde, fase de vida, hábitos familiares e contexto sociocultural.
Iremos abordar o trabalho a desenvolver com crianças que apresentam dificuldades em processar as sensações do seu próprio corpo e do ambiente e que, devido a isso, apresentam seletividade a alguns alimentos e por vezes recusam-se mesmo a comer.
Para iniciar a nossa avaliação, devemos antes de mais, verificar se existem outras alterações no processamento sensorial.
É importante reunir informação sobre a saúde da criança, peso e crescimento, texturas de alimentos que consome, capacidades cognitivas e de resolução de problemas e controlo motor postural. Devemos tentar ter uma “imagem” do ambiente das refeições da criança. Esta informação é importante para desenvolver estratégias eficazes e recomendações familiares que irão ajudar a criança a ganhar competências de alimentação funcional e adaptativa. Referimos de seguida algumas perguntas que nos ajudam a compreender melhor as dificuldades apresentadas por cada criança:
– A criança fica com a comida na boca e faz um bolo sem engolir?
– A criança come muitos alimentos pouco nutritivos?
– A criança tem uma dieta restrita em termos de sabor, textura, cheiro, aparência ou grupo alimentar?
Após uma avaliação completa, o plano de intervenção passa sempre por um trabalho conjunto com a família e todos os intervenientes no processo alimentar dos diferentes contextos, como por exemplo o Jardim de Infância que a criança frequenta. Para todas as crianças será desenvolvido um plano de intervenção diferenciado com estratégias específicas.
Iremos, no entanto, dar exemplos de algumas estratégias de intervenção que podem ajudar a criança com problemas alimentares de base sensorial:
– Estabelecer rotinas e um ambiente consistente
Deve existir uma rotina antes, durante e depois de cada refeição. Uma criança com problemas alimentares necessita de saber quando está a ocorrer a refeição e o que é esperado que ela faça. Por exemplo, primeiro lava as mãos, depois vai para a mesa e de seguida senta-se na cadeira. Se possível a criança deve arrumar o seu prato após a refeição. As refeições devem ser programadas com intervalos regulares.
– Modificar os alimentos oferecidos
Podemos incluir aqui o espessamento de líquidos, a diminuição de comida no prato, a alteração da densidade dos alimentos para melhorias na mastigação, a redução da mistura de alimentos de diferentes texturas, a adição ou redução de sabor através de especiarias e as temperaturas.
– Oferecer oportunidades de manipulação dos alimentos
Participar na preparação dos alimentos pode ser uma atividade muito interessante para a criança. Vai melhorar a sua capacidade de tolerância para tocar e manipular uma grande variedade de alimentos.
– Oferecer reforço por provar novos alimentos
É muito importante o reconhecimento pelos outros quando a criança interage de uma forma positiva com um novo alimento. Podemos incluir o olhar para o alimento, o tocar nele, o cheirar ou tocar nos lábios, dar uma trinca, mastigar a comida e finalmente aceitar comer o próprio alimento.
– Posicionamento
Organizar um ambiente para as refeições que inclua uma cadeira com profundidade adequada para as pernas da criança e os pés bem apoiados numa base estável ou no chão. A altura da mesa deve chegar aos cotovelos da criança para que os seus antebraços estejam apoiados.
– Incentivar a aceitação do toque no rosto e boca
– Fazer assobios e estalinhos com a boca
– Soprar objetos com palhinhas
– Aceitar pinturas faciais
– Aplicar batom nos lábios
– Permitir que bolas de sabão rebentem no seu rosto
– Encorajar a consciencialização interna do rosto e da boca
– Imitar expressões faciais e movimentos dos lábios e da língua
– Usar uma escova de dentes elétrica
– Permitir que a criança se veja a comer com um espelho à frente
– Aumentar a tolerância a várias temperaturas de comida e outras caraterísticas sensoriais
– Usar um cubo de gelo como brincadeira esfregando-o em bebidas em pó e encorajar a criança a levar à boca ou apenas tocar nos lábios
– Congelar pequenos objetos dentro de gelo para a criança ter depois de usar utensílios para os retirar
– Mudar a temperatura da palhinha que a criança usa para soprar nas brincadeiras
– Realizar atividades propriocetivas antes das refeições, para evitar reações sensoriais negativas durante a refeição
– Aumentar o consumo de alimentos durante refeições familiares em casa
– Todas as pessoas da família devem comer um pouco de cada alimento apresentado, promovendo um bom modelo
– Usar a hora das refeições para interações agradáveis
– Cada refeição deve incluir pelo menos um alimento que a criança consegue comer bem
– Ter refeições em tempos estipulados
– A criança não deve ser o foco da refeição, mas devem dar-se elogios por qualquer tentativa de cheirar, tocar, provar ou comer alimentos não preferidos
– Nunca force a criança a comer, mas pode dizer-lhe com naturalidade para tirar um pouco de determinado alimento