Hipoterapia… O que é?

O uso da atividade equestre, com a finalidade de reeducação psicomotora não é uma descoberta recente. O primeiro encontro do homem com o cavalo selvagem deverá ter acontecido na pré-história. Hipócrates, o pai da medicina (458 – 370 a.C.), aconselhava a equitação para regenerar a saúde e preservar o corpo humano de muitas doenças.

Desde então, o cavalo tem desempenhado um importante papel no universo relacional quotidiano do homem, estabelecendo com ele uma vinculação psico-física a que muitos atribuíram um sentido educativo, pedagógico, terapêutico e recreativo/ desportivo.

O termo hipoterapia, deriva de “hippos”, palavra grega para cavalo, combinado com a palavra terapia, que significa tratamento da doença ou incapacidade. É um processo de reabilitação de indivíduos com deficiência e/ou necessidades especiais, que utiliza o cavalo com o objectivo de, através do acompanhamento de uma equipa de profissionais especializados, promover mudanças tanto a nível físico, social como psíquico.

Das várias caraterísticas que o cavalo apresenta, o que o torna uma ferramenta útil para a reabilitação de utentes com alterações neuromotoras, são os inúmeros estímulos sensoriais que o mesmo confere ao Sistema Nervoso Central, bem como a fisionomia do seu dorso, que proporciona um correcto posicionamento à criança na posição de sentado. Estas caraterísticas juntamente com o ambiente estimulante e descontraído onde esta actividade se desenvolve, tornam o cavalo um agente facilitador capaz de alterar a resposta do Sistema Nervoso Central, bem como um promotor de vivências fundamentais para o desenvolvimento de competências motoras, cognitivas, comunicativas e psicossociais.

Salienta-se que na prática da Hipoterapia usa-se apenas o passo (corresponde aos movimentos doces e rítmicos do cavalo) excluindo-se os restantes andamentos (trote e o galope). Como realça Lobo (2003: 50) “o passo possui uma frequência de 1 a 1,25 movimentos por segundo, o que leva o utente a realizar de 1800 a 2250 ajustes tónicos em trinta minutos de sessão”. Desta forma, promove o movimento da cintura pélvica do cavaleiro de um modo idêntico ao de uma pessoa saudável, numa passada regular, não existindo equipamento algum capaz de simular este movimento num ginásio. O que vai ao encontro de Wickert (2002), que salienta que o movimento a passo do cavalo produz cerca de 60 a 75 movimentos tridimensionais por minuto, equivalente à da marcha humana neurofisiologicamente normal.

Para a prática desta terapia torna-se necessário o uso de um cobertor de pele de carneiro ou colocar-se o paciente sobre o dorso nu do cavalo, nunca com sela. Assim, permite-se que o paciente tenha uma maior resposta aos movimentos do cavalo e beneficie do calor proporcionado pelo animal.

Um aspecto importante desta terapia está relacionado com o seu lado lúdico, ou seja, a criança encara o tratamento como uma diversão, pois o ambiente é completamente diferente das habituais terapias tradicionais.

Nesta terapia, os grupos musculares trabalham de uma forma simétrica, no entanto se existe uma deficiência num hemicorpo, são utilizados preferencialmente certos grupos musculares de forma harmoniosa e global. Os músculos dos membros inferiores asseguram o contacto permitindo uma melhor percepção táctil e os músculos da parede abdominal e da cintura pélvica têm a função de gerir os estímulos desequilibrantes proporcionados pelo movimento do cavalo. Exige-se um trabalho muscular constante para que o cavaleiro mantenha um equilíbrio eficaz e acompanhe os movimentos do cavalo. Os grupos musculares do tronco atuam na qualidade de músculos antigravíticos, sendo estes, constantemente objecto de solicitações e reacções, provocados pelas paragens e avanços do cavalo, através das mudanças de passo e direcção. Este sentido de equilíbrio é ganho pouco a pouco, permitindo ao cavaleiro, a conquista da consciência corporal através do trabalho muscular, criando uma postura mais correcta, impedindo-o assim de cair.

Os músculos do tronco alternam entre um estado contraído e descontraído, levando à modulação do tónus, isto é, os grupos musculares anteriores e posteriores do tronco, devem agir em sinergia. Se os músculos abdominais se contraem, os músculos dorsais devem descontrair-se para permitir a mobilidade lombar e a sua função amortecedora. Ainda relativamente à modulação do tónus, as paragens e os arranques provocam no cavaleiro situações de contração e relaxamento de determinados grupos musculares, proporcionando um relaxamento muscular em cavaleiros hipertónicos ou um aumento de tónus em indivíduos hipotónicos.

Os exercícios de relaxamento normalmente realizados, têm como objectivo combater as posturas viciosas, levando ao conforto corporal e à obtenção de uma completa noção/ organização do esquema corporal.

Ao nível do desenvolvimento da percepção sensorial, a hipoterapia desenvolve o tacto, a audição, a visão, o olfacto bem como dos estímulos vestibulares. A Associação Nacional de Equoterapia (ANDE) (2002) considera ainda que esta terapia desenvolve a proprioceção, mencionando que o ajuste tónico ritmado determina uma mobilização articular que facilita um grande número de informações propriocetivas. As informações propriocetivas provenientes das regiões articulares, musculares, periarticulares e tendinosas provocam ao cavaleiro, na posição de sentado sobre o cavalo, diferentes informações das habituais, que são fornecidas na posição de pé, no solo.

A Hipoterapia também tem benefícios psicológicos pois dá a oportunidade de experimentar o sucesso que pode levar a um aumento da auto-estima assim como da motivação. A hipoterapia apresenta as condições necessárias para que se desenvolva a afectividade. Esta contribui para o desenvolvimento psicomotor e para a aquisição da autonomia. Estimula a linguagem e a área sensório-motora, bem como a socialização. Apresentando um papel fundamental na (re) inserção social, modificação dos comportamentos inadequados, aumentar a capacidade de decisão, controle emocional e autodisciplina, fornecendo uma sensação geral de bem-estar.

A hipoterapia é indicada em utentes com Paralisia Cerebral, AVC, traumatismo craniano, atraso no desenvolvimento, défices de coordenação motora, atrofia muscular, deficiências sensoriais, alterações posturais, alguns problemas ortopédicos e distúrbios visuais ou auditivos. Ou seja, está indicada a todas as pessoas portadoras de necessidades especiais, seja qual for a sua idade, desde que não apresentem qualquer contra-indicação à prática de equitação.

A Hipoterapia é contra-indicada em indivíduos com lesões graves na coluna vertebral, luxação da anca, pouca sensibilidade na região das coxas, algumas condições neurológicas graves, adultos sem controlo cervical, problemas cardíacos ou circulatórios e dor.

No entanto é importante mencionar que quando se indica ou contra-indica este tipo de terapia, deve-se ter em mente que cada caso é único e como tal deve ser valorizado. Diagnósticos iguais podem apresentar quadros clínicos diferentes, podendo ser ainda mais diferente a sua evolução.

Para que as sessões de Hipoterapia se possam realizar, as mesmas devem ser constituídas, acompanhadas e programadas por uma equipa multidisciplinar de modo a definir programas específicos em todas as áreas, planos de intervenção e providenciar todas as necessidades que a criança poderá requerer e exigir. A equipa que presta apoio ao cavaleiro é composta por diversos elementos, tais como terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, professores, educadores, psicólogos, fisioterapeutas, instrutores de equitação e ainda familiares da criança, no entanto não é necessário a presença de toda a equipa durante as sessões.